Se andar todos os dias pelos mesmos caminhos nos torna adultos, quero voltar a ser criança. Todo esse processo cansa os olhos. A casa que ficou não é a mesma. Todas as paredes falam e ricocheteam palavras pesadas e mornas. É como se o tempo corresse tão denso que pudesse ser sentido como água contra as pernas. Como se pudesser cortar como o vento desses dias.
O sol chega até a janela cálido e quente, me lembro. As nuvens tapam a luz, e deixam o calor passar. Finalmente, verão. Tão quente e lento. Tão quente e sem ventilador. Tão quente e coça tanto, malditos mosquitos.
Os sons tem me intrigado. Parecem distantes. As paredes devem estar absorvendo sua parte, para assombrar quem vem. Com palavras mornas e distantes, palavras densas e alheias. Salgadas.
Cheiram a mar, essas palavras.
Esse mar que hoje me cerca, por todos os lados, nessa ilha que não parece deixar ninguém partir. Alguns partiram, e acenaram de longe, lentamente, como que dizendo ter quebrado o encanto. Dos pés sem raízes, essa terra gruda e faz sentir o quão pesada é.
E essas paredes sussurram, ssssusssuuuuurram. Vento que fala, quase como que criança "vai, vai, vai". E essas paredes que seguram, prendem. E quase como nossos avós, nos abraçam para que fiquemos. E o cheiro de chuva, cheiro alcalino, de liberdade...
Deixar essas paredes, portas e janelas pode ser libertador. E certamente será.
3 comentários:
os fantasmas se divertem
toda tampa daí guarda um mutilado inquieto.
e a parede já desenvolveu outro órgão, seu mutismo tagarelante já não deixa ninguém em paz.
mas é só espetar um alfinete no canto da parede, minha avó dizia que o saci saia quinem corisco
E ainda escutava esse sopro ao longe, há muito tempo calado e que ouço afinal, que aprenderia outras coisas ainda, sobre esse assunto. Mas não o escutarei mais, por enquanto, pois não gosto dele, desse sopro ao longe, e até o temo. Mas é um som que não é como os outros, que você escuta, quando bem quer, e que muitas vezes pode fazer calar, se afastando ou tapando as orelhas, mas é um som que se põe a farfalhar na sua cabeça, não se sabe como, nem por quê. É com a cabeça que você o ouve, as orelhas não têm nada com isso, e não se pode detê-lo, mas ele se detém sozinho, quando quer. Logo, escutá-lo ou não, isto não tem importância, eu o ouvirei sempre, a trovoada não vai poder me libertar, até que ele cesse. Mas nada me obriga a falar dele, na hora em que não é o caso para mim. E não é o caso para mim, agora. Não, o meu caso agora é acabar com essa história de lua que ficou inacabada, eu mesmo sei disso. E se vou acabar com ela menos bem do que se estivesse em todo meu juízo, acabarei assim mesmo, o melhor que puder, pelo menos acredito que sim.
TRECHO • Molloy • Beckett
Postar um comentário