14.3.10

Conversazione in Sicilia, d' Elio Vittorini

Amolador- Diga-me, forasteiro. Não trouxe nada para amolar na região? Não tem uma espada para amolar? Não tem um canhão para amolar?

Forasteiro- Não há muita coisa para amolar nesta região?

Amolador- Não muita coisa digna. Não muito que valha a pena. Não muita coisa que dê prazer.

Forasteiro- Há de amolar facas. Há de amolar tesouras.

Amolador- Facas? Tesouras? Parece-lhe que ainda existem facas e tesouras neste mundo?

Forasteiro- Parecia-me que sim. Não existem facas nem tesouras nesta região?

Amolador- Nem nesta, nem noutra. Passo por muitos sítios, há 15 a 20 mil almas para quem amolo, mas nunca vejo facas e tesouras.

Forasteiro- Mas  o que lhe dão para amolar, se nunca lhe dão facas ou tesouras?


Amolador- É o que lhes pergunto sempre. "O que me dá para amolar? Não me dá uma espada? Não me dá um canhão?" E olho-os de frente, nos olhos e vejo que aquilo que me dão nem merece o nome de prego. Dá prazer amolar uma lâmina de verdade. Se a lançarmos, é um dardo, se a empunharmos é um punhal.
Se todos tivessem sempre uma lâmina de verdade!

Forasteiro- Por quê? Parece-lhe que sucederia alguma coisa?

Amolador- Eu teria prazer em amolar sempre uma lâmina de verdade. Às vezes, parece-me que bastaria que todos tivessem dentes e unhas para amolar. Eu amolá-los-ia como dentes de víbora, unhas de leopardo.

(O Forasteiro deu-lhe uma faca. É amolado com prazer e satisfação com o resultado.)

Forasteiro- Ahh! Quanto custa?

Amolador- 40 centavos.

 (Ele paga.)


Amolador- 4 de pão. 4 de vinho. E os impostos? 4 de impostos. 4 de pão. E o vinho? 4 de vinho. 4de impostos. E o pão?
                
Forasteiro- Mas por que não junta tudo e divide depois?

Amolador- Muito arriscado. Umas vezes, eu comeria tudo, outras, beberia tudo... Toma. Eu queria levar-lhe dois tostões à mais, mas Deus não quer. Eram estes dois tostões que faziam confusão. 2 de pão, 2 de vinho, 2 de imposto.
Peço desculpas. Pensei que podia fazê-lo porque é forasteiro.

Forasteiro- Não faz mal. Dois tostões a mais ou a menos...

Amolador- O problema é que uma pessoa não sabe como se há de comportar com os forasteiros. talves haja amoladores que cobram oito tostões em outras regiões, e podemos causar-lhes prejuízo cobrando mais seis.
É belo o mundo. Luz, sombra, calor, alegria, não- alegria...

Forasteiro- Esperança, caridade...

Amolador- Infância, juventude, velhice...

Forasteiro- Homens, crianças, mulheres...

Amolador- Mulheres belas, mulheres feias, graça de Deus, patifaria e honestidade...

Forasteiro- Memória, fantasia.

Amolador- Qual é o significado disto?

Forasteiro- Oh nada. Pão e Vinho.

Amolador- Salsicha, leite, cabras, porcos e vacas. Ratos.

Forasteiro- Ursos, lobos..

Amolador- Pássaros, árvores e fumo, neve.

Forasteiro- Dança, cura. Já sei, já sei. Morte, imortalidade e ressurreição.

Amolador- Ah!..

Forasteiro- Que coisa!

Amolador- Extraordinário. A,e,i,o,u,e.

Forasteiro- Cálculo.

Amolador- Grande mal: ofender o mundo!
Desculpe, mas se uma pessoa conhece outra e tem muito prazer em conhecê-la e então leva-lhe dois tostões ou duas libras a mais, por um serviço que deveria ter sido gratuito devido ao grande prazer que teve em conhecê-la, o que é essa pessoa, senão um homem que ofende o mundo?

Forasteiro- Oh!

Amolador- Obrigada, amigo. Às vezes confundimos as pequenezas do mundo com as ofensas ao mundo. Ah, se houvessem facas e tesouras, buris, chiços e arcabuzes, morteiros, foices e martelos, canhões, canhões, dinamite.

(Eles permanecem imóveis por um longo tempo, olhando um nos olhos do outro.)





Constellations, dialogues du roman- Conversazione in Sicilia, d' Elio Vittorini- (È un'opera letteraria)

Tradução: Antônio José de Almeida Rodriguês.

Fonte: filme Sicilia, de 1998, Jean- Marie Straub e Daniéle Huillet

Um comentário:

Anônimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado

Pedestres

andantes