Tradução Ana Helena Souza
MORTE DE A. D.
e ali estar ali ainda ali
apertado contra minha velha tábua sifilítica do negro
dos dias e noites remoídos cegamente
em estar ali em não fugir e fugir e estar ali
curvado para a confissão do tempo morrendo
de ter sido o que foi feito o que fez
de mim do meu amigo morto ontem o olho brilhando
os dentes compridos ofegando em sua barba devorando
a vida dos santos uma vida por dia de vida
revivendo à noite seus pecados negros
morto ontem enquanto eu vivia
e estar ali bebendo mais alto que a tempestade
a culpa do tempo irremissível
agarrado ao velho bosque testemunha de partidas
testemunha de retornos
MORT DE A. D.
Samuel Beckett
et là être là encore là
pressé contre ma vielle planche vérolée du noir
des jours et nuits broyés aveuglément
à être là à ne pas fuir et fuir et être là
courbé ver l’aveu du temps mourant
d’avoir été ce qu’il fut fait ce qu’il fit
de moi de mon ami mort hier l’oeil luisant
les dents longues haletant dans sa barbe dévorant
la vie des saints une vie par jour de vie
revivant dans la nuit ses noirs péchés
mort hier pendant que je vivais
et être là buvant plus haut que l’orage
la coulpe du temps irrémissible
agrippé au vieux bois témoin des départs
témoin des retours
*Poema em memória do Dr. Arthur Darley, médico irlandês, morto em dezembro de 1948, de tuberculose, com apenas 35 anos. Arthur Darley tornara-se amigo de Beckett três anos antes, quando ambos trabalhavam como voluntários num hospital da Cruz Vermelha irlandesa, numa cidade da Normandia, arrasada pela guerra.
Ana Helena Souza é tradutora e especialista em Beckett, tendo vertido ao português, desse autor, os livros “Como é” e “Molloy”. Proximamente, sairá sua tradução de “O inominável”.
Um comentário:
dentro fora não estar
não existir o fora nem o dentro
só o vazio do povo de beckett
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