20.3.10

Só pra alguns.

[Spoiler] O diálogo final do filme Le Pont des Arts


Pascoal- Eu não achei que você viria.

Sarah- Você estava esperando por mim.

Pascoal- Eu não estava esperando. Eu estava procurando você.

Sarah- Buscando é estar esperando.

P- Procurei você em todo lugar.

S- Você me encontrou aqui.

P- Por aqui...?

S- Você é o único que sabe.

P- Por que estamos separados?

S- Aqui nós estamos juntos.

P- Sarah.

S- Através de você, eu sou a Sarah. Você ouviu as risadas na minha voz.

P- Eu te amo, Sarah.

S- Eu te amo tb, Pascal.

P- Não há lugar para o amor?

S- Sim, aqui.

P- Não há lugar para o amor no mundo?

S- Nós estamos aqui agora.

P- Nós amamos uns ao outro em um outro tempo.

S- Não, foi agora.

P- Nós nos amávamos em outro lugar.

S- Não, era aqui.

P- Então minha memória não é nada real.

S- Sim, é. É o que ouvimos.

P- Música?

S- Sim.

P- Nada real.
S- Sim, é.

P- O que é a música?

S- Você me ensinou o que é.

P- Ela nasce em silêncio. Morre em silêncio.

S- Entre esses dois silêncios, nos conhecemos. Nós nos amávamos. Essa é a nossa realidade.

P- A realidade mostra que estou vivo e você está morta, eu estou aqui e você está em outro lugar. A realidade diz que há um rio entre nós.

S- Não, não é a realidade. Essa é a inteligência humana.

P- Não é a inteligência a realidade mais elevada?

S- Você sabe que não é. A inteligência humana é surda.

P- Eu quero tocar você... é um abraço no ar.

S- Nada nos separa.
P- Eu quero beijar você.

S- Aqui você me tocou, você me segurou, você me beijou.

P- Eu quero saber da realidade.

S- É aqui.

P- Eu quero saber a sua realidade.

S- Nada nos separa mais.
P- Eu quero ser um corpo com você.

S- Nós somos um corpo na luz.

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16.3.10

Cinética

A Cinética deu de presente uma atualizaçãozona hoje. Entrevista, novas críticas, de curtas inclusive e o editorial que está aconchegante.

14.3.10

Conversazione in Sicilia, d' Elio Vittorini

Amolador- Diga-me, forasteiro. Não trouxe nada para amolar na região? Não tem uma espada para amolar? Não tem um canhão para amolar?

Forasteiro- Não há muita coisa para amolar nesta região?

Amolador- Não muita coisa digna. Não muito que valha a pena. Não muita coisa que dê prazer.

Forasteiro- Há de amolar facas. Há de amolar tesouras.

Amolador- Facas? Tesouras? Parece-lhe que ainda existem facas e tesouras neste mundo?

Forasteiro- Parecia-me que sim. Não existem facas nem tesouras nesta região?

Amolador- Nem nesta, nem noutra. Passo por muitos sítios, há 15 a 20 mil almas para quem amolo, mas nunca vejo facas e tesouras.

Forasteiro- Mas  o que lhe dão para amolar, se nunca lhe dão facas ou tesouras?


Amolador- É o que lhes pergunto sempre. "O que me dá para amolar? Não me dá uma espada? Não me dá um canhão?" E olho-os de frente, nos olhos e vejo que aquilo que me dão nem merece o nome de prego. Dá prazer amolar uma lâmina de verdade. Se a lançarmos, é um dardo, se a empunharmos é um punhal.
Se todos tivessem sempre uma lâmina de verdade!

Forasteiro- Por quê? Parece-lhe que sucederia alguma coisa?

Amolador- Eu teria prazer em amolar sempre uma lâmina de verdade. Às vezes, parece-me que bastaria que todos tivessem dentes e unhas para amolar. Eu amolá-los-ia como dentes de víbora, unhas de leopardo.

(O Forasteiro deu-lhe uma faca. É amolado com prazer e satisfação com o resultado.)

Forasteiro- Ahh! Quanto custa?

Amolador- 40 centavos.

 (Ele paga.)


Amolador- 4 de pão. 4 de vinho. E os impostos? 4 de impostos. 4 de pão. E o vinho? 4 de vinho. 4de impostos. E o pão?
                
Forasteiro- Mas por que não junta tudo e divide depois?

Amolador- Muito arriscado. Umas vezes, eu comeria tudo, outras, beberia tudo... Toma. Eu queria levar-lhe dois tostões à mais, mas Deus não quer. Eram estes dois tostões que faziam confusão. 2 de pão, 2 de vinho, 2 de imposto.
Peço desculpas. Pensei que podia fazê-lo porque é forasteiro.

Forasteiro- Não faz mal. Dois tostões a mais ou a menos...

Amolador- O problema é que uma pessoa não sabe como se há de comportar com os forasteiros. talves haja amoladores que cobram oito tostões em outras regiões, e podemos causar-lhes prejuízo cobrando mais seis.
É belo o mundo. Luz, sombra, calor, alegria, não- alegria...

Forasteiro- Esperança, caridade...

Amolador- Infância, juventude, velhice...

Forasteiro- Homens, crianças, mulheres...

Amolador- Mulheres belas, mulheres feias, graça de Deus, patifaria e honestidade...

Forasteiro- Memória, fantasia.

Amolador- Qual é o significado disto?

Forasteiro- Oh nada. Pão e Vinho.

Amolador- Salsicha, leite, cabras, porcos e vacas. Ratos.

Forasteiro- Ursos, lobos..

Amolador- Pássaros, árvores e fumo, neve.

Forasteiro- Dança, cura. Já sei, já sei. Morte, imortalidade e ressurreição.

Amolador- Ah!..

Forasteiro- Que coisa!

Amolador- Extraordinário. A,e,i,o,u,e.

Forasteiro- Cálculo.

Amolador- Grande mal: ofender o mundo!
Desculpe, mas se uma pessoa conhece outra e tem muito prazer em conhecê-la e então leva-lhe dois tostões ou duas libras a mais, por um serviço que deveria ter sido gratuito devido ao grande prazer que teve em conhecê-la, o que é essa pessoa, senão um homem que ofende o mundo?

Forasteiro- Oh!

Amolador- Obrigada, amigo. Às vezes confundimos as pequenezas do mundo com as ofensas ao mundo. Ah, se houvessem facas e tesouras, buris, chiços e arcabuzes, morteiros, foices e martelos, canhões, canhões, dinamite.

(Eles permanecem imóveis por um longo tempo, olhando um nos olhos do outro.)





Constellations, dialogues du roman- Conversazione in Sicilia, d' Elio Vittorini- (È un'opera letteraria)

Tradução: Antônio José de Almeida Rodriguês.

Fonte: filme Sicilia, de 1998, Jean- Marie Straub e Daniéle Huillet

1.3.10

Sempre estremeço ante a poesia. A amendoeira, os pássaros,
o bosquezinho onde você está, as flores que você não vê,
a janela aberta sobre a qual eu me debruço e sonho que você
está encostado em meu ombro, as vezes em que sua fotografia
parece triste.

Katherine Mansfield
1.916

Pedestres

andantes